sábado, 2 de maio de 2020

Notícias do pós-apocalipse


A humanidade todos já sabiam não ia bem. Cientistas da ficção e profetas da ciência sempre apontaram para o fim do mundo. Pois bem, assim foi...Um dia acordei, não lembro a data ou horário, isso já não faz mais sentido agora. E minha espécie havia sumido da face da terra. Ando pela metrópole deserta. A solidão saiu de seu sentido metafórico e ganhou proporções cósmicas. Vivo sobre os vestígios de uma civilização morta, a qual participei, mas já nem sei... Sobraram construções, objetos, memórias. As vezes ainda vejo o vulto de pessoas nas esquinas ou sinto como se alguém me chamasse. Ainda vou ao mercado, não preciso mais olhar os preços. Ainda vou ao parque, tomo café na padaria. Ainda vou a banca de jornal, notícias velhas para lembrar que findaram as novidades. Sou um museu vivo a perambular sem futuro. Ainda vou na sexta-feira no fim de tarde ao boteco do Neto. A sexta não existe mais, mas o fim de tarde segue marcante com o sol cumprindo seu giro. Sento na mesma mesa de sempre, nos fundos embaixo das árvores. Bebo cerveja e ouso aquele vinil sagrado do Paulinho da Viola. Dou gargalhadas, choro baixinho, conto piada, batuco na mesa de plástico e peço a saideira que eu mesmo vou buscar. O atendimento do Neto piorou muito sem ele. Sinto falta, mas não exatamente saudade, posto que tudo que tenho é o passado que por tanto passa a ser o presente sem distinção. Tudo parece que ainda está ali, encoberto pelo invisível. O irônico de tudo é que antes a vida me assustava, as obrigações, os erros. Hoje não existe mais angústia, pois o teatro humano se esvaziou de máscaras e sombras revelando nossa irrelevância para a continuidade do planeta e do universo. Que libertação é se livrar do antropocentrismo! Calaram-se os discursos e teorias, ficou a vida nua, selvagem e inquestionável, brotando por toda parte. O mato devorando as ruas. Até o medo da morte calou-se com a extinção. Ser o último já me torna um pouco morto. O fim é só o ponto de vista do que permanece. E afinal algo sempre permanece... Um resquício, um resíduo, uma semente. Os demais seres vivos passam bem. As formigas sequer perceberam nosso ausência.   

 Último Ser Humano

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