O sol nasce
emburrado e a Terra só gira por obrigação. Adeus tempo livre, chegou o tempo
escravidão. Abro os olhos de concreto e levanto ainda com gosto de domingo na memória.
Visto-me de função para encarar a labuta desse cotidiano mandão. Viro mais uma
peça do sistema, gira engrenagem meio enferrujada. Toca o sinal, bate cartão, o
relógio se impõe contra o desejo. O corpo se transforma em máquina, tempo é
dinheiro. Resisto, reclamo, cuspo canivete! Aguardo um tempo de revolução, onde
o trabalho, enfim, não seja mais opressão.
segunda-feira, 14 de agosto de 2017
domingo, 6 de agosto de 2017
Remédio
Hoje
acordei com uma dor estranha em um lugar misterioso. Alguma parte secreta do corpo. Não
dá para tocar nem ver, mas está lá em algum canto de mim. Não sei aonde, não
sei porque, mas dói o desconhecido da Dor. Sem solução subi na magrela, pedalei pela cidade sem ter para
onde ir. Pedalei até meu corpo gritar, se encher e transbordar. Escorrer. Espalhar. Desaguar. Lágrimas
doce, suor salgado. Pedalei até faltar ar nos pulmões. Até os joelhos
estalarem. Até os músculos das pernas arderem por dentro. Parei! Pronto... Essa dor eu sei onde dói.
quinta-feira, 3 de agosto de 2017
Tradição
Se
é para o bem de todos, felicidade
geral da nação e estabilidade
política, digam ao povo que fico! Seja lá quem for esse tal Povo! E quem não gostar pode sair, pois
esse país é ame-o ou deixe-o! Assim falou o Imperador, o Marechal o Presidente,
o Ditador, o Governador, o General, o Golpista, não me lembro bem quem... mas
com certeza algum deles proferiu esse discurso tão antigo quanto presente.
Essas são as sabias e cínicas palavras que entraram para a História de um país
acostumado a esquecer. Aos historiadores do futuro caberá explicar a ironia do
tempo com lágrimas ou risos.
terça-feira, 1 de agosto de 2017
Absurdo 01
Os buracos do queijo, abóboda celeste, por
onde entra o sol que desperta os Vermes que o devoram por dentro até o Ser. O mundo em sagrada putrefação! Gozemos o fim que não é ele mesmo. A espera é uma arte dizem os
deuses que não tem nada a fazer. O tédio é o Tempo rápido de mais ou devagar de mais, causa lucidez e melancolia. Esqueçamos toda verdade que não é
carne e não chega até a raiz do chão. Bebamos o vinho na taça de espelhos e
devoremos o queijo, com os vermes, o céu, o sol e tudo mais que couber na
Palavra.
domingo, 18 de junho de 2017
Rebeldia
Escrever
poesias uma vida toda e guarda-las, não mostrar a ninguém, armas secretas. Um
protesto silencioso, do poeta anônimo e terrorista contra as verborragias políticas,
midiáticas e publicitárias. Quem sabe um dia as palavras ocultas não gritem e implodam o sistema!
quinta-feira, 1 de junho de 2017
Ideologia dominante
Noticiário da TV: jovem
negro é linchado e acorrentado em um poste na zona sul depois de roubar uma
carteira (cena de senzala).
Comenta o homem comum,
assalariado e cristão: era um bandidinho roubando gente de bem, teve o que
merecia!
Intervalo: compre isso! compre aquilo! compre mais! você consegue! e só querer! seja feliz!
Volta o noticiário: manifestação em frente ao Congresso Nacional acaba em confusão. Baderneiros depredam ministério em protesto contra o governo (desvios de dinheiro, financiamentos, impostos, malas pretas, contas na Suíça, opressão).
Volta o noticiário: manifestação em frente ao Congresso Nacional acaba em confusão. Baderneiros depredam ministério em protesto contra o governo (desvios de dinheiro, financiamentos, impostos, malas pretas, contas na Suíça, opressão).
Comenta o homem comum,
pacato pai de família: protestar tudo bem (sombra de democracia), mas sem vandalismo! (sentimento de ordem e progresso).
Moral da história: Manda
quem PODER, obedece quem aceita o JUÍZO!
domingo, 21 de maio de 2017
O cuspe
As
duas estavam sentadas em um restaurante quase vazio, da janela uma paisagem bucólica
de onde se via o lago do parque em um dia nublado. Poucas palavras foram
trocadas, as duas pareciam gostar da companhia silenciosa uma da outra. Os olhares
e os pequenos gestos das mãos falavam mais... Havia ali histórias antigas, afetos dispersos,memórias partilhadas,desconfiança, amor e dúvidas. Sobre a mesa, canecas de chopp, uma bituca de cigarro
quase apagada repousando no cinzeiro. De repente, em um instante de banal estranheza,
Nadja se levante. E como se tivesse sido convidada se aproxima de Helena e lentamente se curva na sua frente abaixando a cabeça em direção ao prato de
sopa. Ela vira os olhos carregados de sensualidade e erotismo para mim como
quem me intima a partilhar do momento. O observador passa a fazer parte do observado. E em um ato desprovido de razão aparente e encadeamento
lógico, cospe delicadamente na sopa de Helena, como se isso fosse um ato primitivo e exótico de partilha e intimidade. Asco e desejo! A cena se congela com a pequena
linha de saliva transparente escorrendo viscosa dos lábios vivazes de Nadja e
pousando sobre a superfície do prato, dissolvendo-se no liquido amarelado. Helena
acompanha tudo inebriada, estática. O insólito se revela enquanto deslumbramento. Nada mais acontece naquele lugar, nada se meche depois do acontecido,
parte visto parte incógnito. Tomar o banal como objeto de apreciação e buscar o que escapa o que foge da calmaria do normal,para poder cultuar o tédio como revelação.
sexta-feira, 19 de maio de 2017
Teologia de um ateu
Se
Deus é onisciente e onipresente ele é o Todo.
Se
ele é o todo tem de ser também o Nada.
O
nada que une todos os seres vivos é a morte.
Então
se Deus tivesse que ter um nome seria Morte.
Mas
ninguém deseja a morte.
Por
isso prefiro o Deus inexistente, sem nome, endereço ou religião.
No
seu silêncio prolifera profana vida.
Na
sua ausência é que posso Ser... (Deus!) domingo, 12 de março de 2017
O porvir
Em se tratando de Amor prefiro o quando ao sempre.
Assim sendo, meu Amor passa a ser para quando e não para sempre.
Perde em assertividade temporal, mas ganha em possibilidades potenciais.
Não me engano! eterno só o quando...
Assim sendo, meu Amor passa a ser para quando e não para sempre.
Perde em assertividade temporal, mas ganha em possibilidades potenciais.
Não me engano! eterno só o quando...
terça-feira, 31 de janeiro de 2017
Novo mandamento
Não pedirás!
O amor não pode ser pedido.
O amor não pode ser pedido.
É
irmão da morte, certo e inesperado.
Se
faz no acaso e só se pronuncia
Na surpresa...
quarta-feira, 25 de janeiro de 2017
Anti-Ode ao Recife
Uma
meia noite de lua ausente,
O
beco e o mangue,
Os
homens crustáceos,
Pele
dura olhos de mar.
A
pedra e o sal.
O
passado no chão, casarões velhos com raízes,
E
todos os sinais do Tempo, morto e vivo.
O
lixo na rua e o passo dos Desumanizados nas calçadas.
Os
ditos cidadãos de bem trancam as portas.
E no
medo se armam de ódio ou indiferença.
Enquanto
isso de lupas vermelhas espreita a Violência.
A
carne será ferida! E a sede não se calará!
Reina
mais fácil a desordem transvestida de ordem.
Pois
suas leis são simples e brutais,
Anestesiam
o sentimento de injustiça.
E a
longo prazo incitam a vontade de dominação
Até
mesmo nos mais fracos.
O que será da Palavra quando se instaurar o governo
dos punhos?
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