Ao
longo do dia, nas horas de tédio, sacava disfarçadamente o celular do bolso e
acionava o tal aplicativo. Uma espécie de correio elegante moderno que lhe
prometia encontros, flertes, tudo aquilo que sua vida atarefada e reclusa lhe
negava. Talvez até encontrasse algum tipo de amor, liquido que fosse! Fantasiava
com as fotos que surgiam. E ao ver as muitas combinações que havia feito, mesmo
sem nunca ter encontrado pessoalmente nenhuma delas, quase se sentia o
conquistador que nunca fora. Ilusão virtual! Mas quando a tela lhe dizia: Não
há ninguém perto de você. Ele levantava a cabeça e a multidão que lhe rodeava
parecia mais inacessível que as fotos que colecionava. A verdade desse
aplicativo não está no que ele promete, mas no que disfarça. Inventaram aplicativos para encontros porque
os para solidão já nasceram acoplados irremediavelmente ao nosso peito.
domingo, 15 de maio de 2016
sexta-feira, 6 de maio de 2016
Lênin vai à praia
O velho comunista
russo, que fez uma revolução, quem diria que mesmo depois de morto ainda lhe
restaria mais consciência de classe com os vivos do que muito vivo-morto! Em um belo dia,
desses muitos da eternidade, entediado com seu exílio da vida e depois de ler o
camarada Jorge Amado, o velho militante resolve se dar férias do frio celestial
do além, parecido com sua amada União Soviética, e partir em viagem aos trópicos.
Que dizem ser quente e erótico como o inferno, só quem sem a parte do pecado.
Assim parte para a Bahia, onde ouviu dizer que havia nascido a civilização do
futuro, o novo mundo onde os povos se misturavam e saldavam a diversidade.
Diferente do antigo continente frio e fascista. Ao colocar seus pés mortos na
areia quente e fofa da praia, ao admirar a dança sensual dos coqueiros ao som
do misterioso mar e as luzes escaldantes do sol vermelho que brilhava paternal
e indiferente para todos, uma alegria trágica tomou seu semblante. Não sabia se
ria ou se chorava diante da exuberância do litoral. Sobre aquele sol comunista
todos pareciam bêbados de alegria. Mesmo a morte, sempre temida, ali parecia
perder para a vida exagerada e transbordante. O paraíso de que falavam os
cronistas europeus do século XVI, a terra sem males, onde tudo que planta dá! A
riqueza natural parecia poder alimentar infinitamente todos os povos que tem
fome. Mas ao chegar mais perto, encontrou seres humanos que se faziam de invisíveis
para sociedade com seu trabalho necessário e silencioso. Ele viu os guarda sois
e cadeiras alugadas a uma classe de humanos brancos e gordos, vindos de terras
antigas e longínquas, beber e comer do banquete tropical tomado de assalto. Enchendo
suas barrigas enormes e insaciáveis, acumulando em seus corpos flácidos as
dobras de seu lucro ambicioso. A classe que os alimentava lembrava os
camponeses de sua terra natal, e os comilões mantinham ares de nobreza
czarista. Com a diferença que aqui os trabalhadores tinham uma pele negra como
o chocolate europeu feito do cacau baiano extraído com violência imperialista
das terras brasileiras. Reviu em sua memória
toda a história da luta de classes. O mesmo trabalho que sustenta o trabalhador
também é a condição de sua escravidão. Lembrou de sua luta, de seus fracassos e
sonhos de homem vivo e dos olhos mortos uma lágrima caia em nome dos que ainda
vivem ou apenas sobrevivem. Suas ideias de revolução, belas e heroicas, mesmo
que almejadas por muitos ainda parecia
ser recusada ou tidas como ilusão. Porque não se revoltam os explorados dessa
terra? Do mar esmeralda Jorge Amado em uma
canoa, de chapéu de palha e terno branco, lançou-lhe um sorriso carinhoso, mas
com um leve tom de sarcasmo de quem em suas palavras muito contou da história
desse país. Ao voltar para o além, ainda confuso com sua experiência, misto de
gozo e tristeza, sem saber o que será da civilização tropical do futuro que
sofre dos mesmo problemas do passado. E mesmo ateu, invoca Deus para lhe
perguntar: o que será da humanidade? Deus por sua vez, com sua
incorrigível mania de mistério, tanto com os vivos como com os mortos, lhe
responde em seu silêncio
de divindade: O por vir...
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