quinta-feira, 16 de junho de 2016

Fascismo

Já andava a muito tempo amedrontado, a sociedade que o rodeava parecia estranha e ameaçadora. As pessoas haviam perdido a razão, já não respeitavam mais nada. Rezava e pedia proteção para seu deus, nos dias mais ressentidos pedia punição aos que não respeitavam a ordem, deus deveria purifica-los. Havia já se afastado de quase todos os amigos, não suportava aquelas opiniões esdruxulas tentando defender os indefensáveis, ponderando com aqueles que corrompiam a vida das pessoas de bem! Mesmo na casa da família onde as conversas eram sempre as mesma e tudo parecia sólido não se tranquilizava. Tinha medo que Aqueles infectassem seus parentes. Temia o tempo todo! Quando se deu conta, o aperto no peito já havia explodido em ódio. As mãos sujas de sangue quente e pastoso, um corpo desconhecido jogado a sua frente no gramado escuro. Havia golpeado com violência o homem, várias vezes. Bom, na verdade não era homem, nem homem, nem mulher, nem humano. Não sabia dizer o que era aquele corpo. Com certeza era um animal, e animais são totalmente imorais. A dificuldade linguística em definir aquele ser lhe causava profunda angústia. A diferença daquele Outro ofendia-o. A dúvida que surgia ameaçava suas certezas confortáveis e lhe anunciava um mundo de mudança e multiplicidade, onde suas verdades talvez não fossem mais verdades. Como viver sem uma verdade como norte, como pressuposto de identidade? Não resistiu ao desespero, vestiu a carapuça do falso justiceiro e em fim libertou seu medo há muito alimentado. Já acalmado, imóvel como em uma espécie de transe, olhava fixamente o corpo frágil despido no chão, o sangue que escoria pela pele que reluzia com os poucos raios de luz da noite. Apertou-lhe o sexo. O desejo o constrangeu. Naquele noite chorou, o medo não havia curado, se sentia sujo, pensou por um instante que talvez pudesse ser como aquele Outro ou quem sabe até ama-lo. Mas isso não poderia, não devia ser...