Já
andava a muito tempo amedrontado, a sociedade que o rodeava parecia estranha e
ameaçadora. As pessoas haviam perdido a razão, já não respeitavam mais nada.
Rezava e pedia proteção para seu deus, nos dias mais ressentidos pedia punição
aos que não respeitavam a ordem, deus deveria purifica-los. Havia já se
afastado de quase todos os amigos, não suportava aquelas opiniões esdruxulas
tentando defender os indefensáveis, ponderando com aqueles que corrompiam a
vida das pessoas de bem! Mesmo na casa da família onde as conversas eram sempre
as mesma e tudo parecia sólido não se tranquilizava. Tinha medo que Aqueles
infectassem seus parentes. Temia o tempo todo! Quando se deu conta, o aperto no
peito já havia explodido em ódio. As mãos sujas de sangue quente e pastoso, um
corpo desconhecido jogado a sua frente no gramado escuro. Havia golpeado com
violência o homem, várias vezes. Bom, na verdade não era homem, nem homem, nem
mulher, nem humano. Não sabia dizer o que era aquele corpo. Com certeza era um
animal, e animais são totalmente imorais. A dificuldade linguística em definir
aquele ser lhe causava profunda angústia. A diferença daquele Outro ofendia-o.
A dúvida que surgia ameaçava suas certezas confortáveis e lhe anunciava um
mundo de mudança e multiplicidade, onde suas verdades talvez não fossem mais
verdades. Como viver sem uma verdade como norte, como pressuposto de identidade?
Não resistiu ao desespero, vestiu a carapuça do falso justiceiro e em fim
libertou seu medo há muito alimentado. Já acalmado, imóvel como em uma espécie
de transe, olhava fixamente o corpo frágil despido no chão, o sangue que
escoria pela pele que reluzia com os poucos raios de luz da noite. Apertou-lhe
o sexo. O desejo o constrangeu. Naquele noite chorou, o medo não havia curado,
se sentia sujo, pensou por um instante que talvez pudesse ser como aquele Outro
ou quem sabe até ama-lo. Mas isso não poderia, não devia ser...