quarta-feira, 29 de abril de 2020

Frida: uma fenomenologia felina


A casa em silêncio, a tarde vazia. Desperto. Ela como sono desfila languida pelas brechas e cantos. Se estica cumprida, depois se dobra e desdobra. Se amassa e deforma sem hierarquia corporal. Se ergue imponente como esfinge no limiar das estruturas de um mundo menor, um universo secreto onde soa o insondável.  Acrobática salta no ar em dança primitiva. Performance da espécie, herança genética de séculos. Escala o invisível e se esfregando nas coisas como se fossem seres flerta com os objetos como se fosse um deles. Sobe pelos espaços sólidos como sombra ou raio de sol. A pelugem dourada se espalha deixando rastros. Impregnando-se no ambiente como espectro de vida. Pura imanência integrada e integra. Balança a calda como um pendulo regendo a rotação do planeta. Seu ritmo se impõem ao passar das horas. Abolindo o cabimento das formas, sua pequena existência nua e sua macia fragilidade ocupam tudo ao redor. Tudo agora passa a ser quente e felpudo como seu dorso. Sua frequência reverbera, grave, funda, ancestral. Os olhos de pedra translucida voltam-se a mim. O movimento das íris revela a fenda para o outro lado. Hipnotizado, atraído mergulho... Não o humano! O bicho. Não o tempo! A substância.  Não a razão! O pulso. Devagar volta e se senta entre minhas pernas, o corpo vira bola, cabeça entre as patas, indiferente a morte, vivendo só o presente, fecha os olhos e regressa  ao sonho...

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