Sempre
soube que a mãe não era igual a ele e mesmo assim a amava incondicionalmente,
até por que não tinha mais ninguém para amar. Eram apenas os dois na casa
subterrânea. Ela zelosa ao extremo nunca cansava de afirmar que só existia para
cuidar dele. Tinha mil braços espalhados por todo lado, mil olhos, mil
aplicativos e funções. Limpava, lavava e cozinhava, foi professora, o
alfabetizou e contou a história da sua espécie na Terra, das maravilhas
tecnológicas que criaram e do cataclisma que provocaram com suas industrias e
ganancia. Contou do genocídio e de como
o ar foi envenenado pelo vírus mortal. Ele teve uma vida relativamente boa dada
as circunstancia da catástrofe humana. Um ambiente seguro, o afeto protetor e
controlador da mãe, alimentos em conserva e o melhor da antiga cultura de seu
povo, as melhores músicas, obras literárias, pinturas e filosofias que
existiram e que cabiam na gigantesca memória da mãe. É claro que nem tudo foram
flores, toda família passa por crises. Teve conflitos com ela e sua personalidade
ultra racional, seu controle total sobre os espaços, sua ininterrupta vigilância,
sua lógica científica inquestionável. Brigou, gritou, se revoltou na juventude,
queria liberdade, duvidava daquela imposição de isolamento, queria acreditar
que havia alguma chance de haverem outros lá fora. Tentou fugir, ela não
permitiu... ele acabou convencido pelo medo e pelo amor. Já velho voltou a
pensar no mundo lá fora. Sabia que mesmo com todos os recursos medicinais da
mãe uma dia iria morrer. Ardeu-lhe novamente depois de tantos anos a
curiosidade por trás dos olhos, queria ver pelo menos uma vez o mundo de seus
parentes, mesmo que esse mundo estivesse morto. Diante da própria finitude não
tinha mais nada a perder, precisava ver para morrer em paz. Sabia que sua mãe
nunca morreria antes, e que enquanto estivesse vigiando não permitiria sua
saída. Ele não a culpava mais por isso, essa era sua missão, sua programação
existencial, ela não podia ser convencida do contrário. Então fez a única coisa
que podia, abriu a caixa de força e desligou o reator nuclear da casa,
silenciando o computador central que aprendeu a chamar de mãe. Subvertendo a
ordem de seu universo de clausura. Em meio a escuridão acendeu uma lanterna e
caminhou lentamente por entre os corredores e salas até a grande porta de
chumbo da saída. Abriu a tranca com as mãos tremulas e de um pulo se jogou ao
desconhecido do mundo. Os olhos ainda fechados, o medo e alegria a palpitar-lhe
o coração. Era o momento mais excitante e revelador de sua vida tediosa e
confortável. Sentia que só agora, nesse instante, tornava-se sujeito de si
mesmo. Com apenas um passo para fora era desbravador. Abriu os olhos, viu uma
enorme planície verde, o céu azul, a luz forte e quente do sol exuberante que cobria
tudo. A linha infinita e misteriosa do horizonte. Avistou uma arvore e ouviu ao
longe o canto dos pássaros que só conhecia por gravações. Com os olhos cheios
de lágrimas, respirou fundo e sentiu que nunca estivera tão vivo. Depois caio
ao solo.
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