Depois de ler o
político e poético texto intitulado “Repensando o apocalipse: manifesto anti-futurista
indígena” do Indigenous Action, um movimento anarco indígena norte americano pensei:
O imaginário capitalista ocidental se desenvolveu ao longo do século XX acompanhado pelo gênero ficção cientifica, produzido principalmente nos Estados Unidos,
tanto na literatura como no cinema e TV. Gênero esse que teve grande influência
na minha formação e ainda hoje muito me atrai. Nele sempre foram explorados
temas como apocalipse, catástrofes ambientais, epidemias mortais, sociedades distópicas
futuristas. Muitos dos clássicos da literatura de ficção cientifica como “1984”
de George Orwell, “Admirável mundo novo” de Aldous Huxley. E filmes como “Matrix”,
“Mad Max” ou as muitas versões de apocalipse zumbi. Mostram mundos que passaram
por uma grande destruição e construíram sociedades diatópicas. Mas de que
humanidade é essa a que se referem? Que mundo é esse que acaba e dá lugar a
tais pesadelos? Estão falando do mundo capitalista ocidental eurocêntrico. Que
para qualquer pessoa minimamente informada está a um século no limiar da ruína.
Por um lado essas obras trazem uma visão sombria e pessimista
de futuro, que releva uma forte crítica ao sistema social, econômico e político
no qual vivemos e que parece só piorar tendendo a catástrofe (e é isso que
tanto me atrai em sua narrativa e estética). Por outro lado podemos através
desse tipo de obra de arte/produto cultural de massa perceber como o imaginário
capitalista criou um fetiche pelo apocalipse, pela catástrofe, pelo colapso e pela
distopia que essa destruição pode gerar. Tememos o fim e ao mesmo tempo o desejamos de
forma mórbida e muitas vezes idealizada. É como se somente o fim do mundo
pudesse nos livrar dessa sociedade que se degrada em barbárie. Em uma interpretação
conservadora e reacionária poderia se pensar que esse tipo de obra parece dizer
que com o fim do capitalismo viria o fim do mundo também. Como se a única outra
opção ao atual sistema fosse a distopia pura e brutal. Como se o que vivêssemos
hoje já não fosse assim...
Porem se tomarmos como perspectiva a vivencia histórica dos
povos indígenas de todos os lugares do planeta, em todos os continentes
invadidos e escravizados pelos europeus. Percebemos que para eles o apocalipse
já aconteceu. Os mundos indígenas foram destruídos, populações exterminadas,
modos de vida apagados e silenciados, reduzidos a folclore ou marginalizados.
Para quem já viu o mundo acabar, a queda do céu como os yanomami, tudo que veio
depois foi resistência e reinvenção. Para esses povos originários a distopia
começou em 1500 com o batismo de América. Para os povos indígenas o capitalismo não trará o apocalipse ele é o apocalipse. A sua visão de futuro resta imaginar exatamente o fim do capitalismo,
seu colapso que levará não sem morte, caos e destruição a um outro mundo
possível. E que sabemos possível porque a memória indígena ainda viva permite
saber, pois já existiu e por tanto pode ser repensado como novo paradigma, a partir
dos conhecimentos e experiências locais, tradicionais, para um novo humano ou
pós-humano. Imaginar um mundo pós-capitalista é descolonizar o imaginário em
uma postura anti-futurista que só poderia nascer mesmo do potencial de rebeldia e resistência dos povos explorados e
escravizados da história.
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